segunda-feira, 27 de maio de 2013

O Futebol e a Sociologia

Um visão sociológica do esporte mais popular do país



A sociologia é uma ciência que estuda as relações que se estabelecem entre as pessoas que vivem numa comunidade ou grupo social, ou entre grupos sociais diferentes que vivem no seio de uma sociedade mais ampla. Esta definição encontramos no Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.

O futebol, por ser uma atividade grupal e também social, tem merecido, de parte dos sociólogos,
estudo mais profundo, para que entendamos melhor suas relações, quando se tem uma atividade social da mais alta relevância.

Em seu livro Dos Pés à Cabeça, Maurício Murad, 1997, nos mostra que "a sociologia no futebol, é
especial se inscrevendo epistemológica e metodologicamente no campo do saber da sociologia do esporte". No Brasil, começamos a dar os primeiros passos para o estudo acadêmico da sociologia do futebol, até porque em países como Alemanha e Inglaterra, as pesquisas universitárias tem sido um dos maiores e mais importantes patrimônios da cultura que servem de exemplo para nós brasileiros.

Murad relata na obra citada que "o futebol, como nossa paixão popular e esporte número um,
encena um ritual coletivo de intensa densidade dramática e cultural, em consonância com a realidade brasileira. É a combinação de simbologias, por meio das quais podemos estudar o Brasil".
Simbologia
Quase de forma antológica, Murad, diz que "o futebol é simbologia e metalinguagem, e como tal, revelador das culturas das coletividades e revelador expressivo das condições humanas. Albert Camus, Prêmio de Literatura de 1957, pensador e especialista e ainda goleiro titular do RUA de Argel, disse: "...o essencial para mim era jogar futebol: a bola era minha paixão e eu sapateava de impaciência..." E assim conseguiu transferir para sua vida prática, todos os conhecimentos obtidos no futebol, tais como: moral e obrigações que um homem deve ter.

Mauricio Murad, com muita lucidez e num momento sublime, define a bola, o objeto de desejo e
instrumento de trabalho dos jogadores de futebol, como sendo:

"De forma geométrica, sua circunferência que, de acordo com a concepção clássica dos gregos, a
forma geométrica perfeita, valor do inconsciente coletivo, suprema representação espacial, à medida que enuncia a ética da igualdade de oportunidades, pelo critério da eqüidistância, uma
vez que todos os pontos estão igualmente distantes do centro".

Esta definição e até um conceito, expressa de forma fantástica o quanto a Grécia contribuiu para
a sociologia do futebol. Este objeto tão fantástico inventado pelo homem é motivo de alegrias e frustrações dele mesmo. É tão fantástico este jogo, que qualquer um pode praticá-lo desde o "baixinho" (Romário) o "gordinho" (Maradona), pelo "alto" (Beckenbauer), pelo "torto" (Garrincha), pelo "perfeito" (Pelé), pelo "magrelo" (Sócrates), pelo "perfeito" (Didi), enfim por qualquer biótipo, por qualquer classe social, por qualquer etnia, provando e comprovando ser um esporte extremamente democrático.

Arte
O futebol, oriundo da Inglaterra, chega ao Brasil de forma elitista e racista. Proibido aos negros,
mestiços e brancos pobres, teve uma resistência enorme das classes dominantes, porém teve
que curvar-se à insistência da grande maioria menos favorecida, tornando-se o esporte-rei e
mais que isso, pela habilidade e magia de nossos atletas, um estilo de arte. Passes, dribles,
fintas, a malemolência à ginga, coisas buscadas nas danças, na própria capoeira, cultura nossa,
nos diferenciaram dos demais atletas do mundo inteiro.

Mário de Andrade, em crônicas de 1939: "Eu é que já estava longe, me refugiando na arte. Que
coisa lindíssima, que bailado mirífico um jogo de futebol! Era Minerva dando palmadas num
Dionísio adolescente e já completamente embriagado... Havia umas rasteiras sutis, uns jeitos
sambalísticos de enganar, tantas esperanças davam aqueles volteios rapidíssimos..."

O futebol, mais do que prática esportiva, é uma oportunidade prática de se exercitar a cidadania.
Portanto, mais do que constatação, interpretação e paradigma do Brasil, o futebol é proposta, é
projeto e desejo da coletividade.

Murad, destaca ainda, em sua obra, que "nada melhor que o futebol para totalizar o país, tanto
na prática quanto na teoria." Sendo que o conceito aqui exposto sobre totalidade, nada tem a ver
com aquele que remete à ideologia da democracia racial, mascaramento simbólico da realidade e
sim originário da tradição dialética. Desde Hegel, o conceito de totalidade inclui a contradição, o
antagonismo e o conflito.

Integração social
Roberto Da Matta, em Antropologia do óbvio: notas em torno do significadosocial do futebol
brasileiro, in Dossiê Futebol, Revista USP, jun/jul/ago 1994, diz "As raízes do futebol se espalham pelas esferas da realidade social, pois, diferentemente de outras instituições, o futebol reúne muita coisa na sua invejável multivocalidade. É uma estrutura totalizante em sua acepção
teórica".

Segundo Murad, para os deficientes, oferece uma gama extraordinária de chances de participação social, como meio de integração e reeducação.

Enfoca ainda outras experiências com o futebol no manicômio judiciário e sistema penitenciário,
onde grandes craques do passado, tais como Jairzinho, Afonsinho, Reinaldo, Nilton Santos, Belini
e Pelé, participaram, levando aos que ali estavam, lembranças agradáveis de momentos
importantes.

Janet Lever, em A Loucura do Futebol, Editora Record, 1983, cita que "Em uma das obras clássicas da Sociologia, Émile Dürkheim sugere que a religião é menos importante como um conjunto específico de crenças e divindades do que como uma oportunidade para a reafirmação
pública da comunidade... Apesar da ausência de vínculos sangüíneos, os homens da tribo sentem
que estão relacionados entre si porque partilham um totem. O culto a uma equipe esportiva,
como o culto a um animal, faz com que todos os participantes se tornem altamente conscientes
de pertencerem a um coletivo. Ao aceitarem que uma equipe em particular os representem
simbolicamente, as pessoas desfrutam um parentesco ritual, baseado neste vínculo comum".

Individual e coletivo
O imprevisível e a improvisação, que parecem diferentes, são marcantes no futebol.
Transportando para as relações sociais no Brasil, torna-se difícil a improvisação e as noções de
imprevisibilidade na vida diária de nosso povo.

O futebol é para os brasileiros, um misto de necessidades imediatas e práticas de luta e
obtenção de resultados e objetivos e ao mesmo tempo a expressão de alegria e da arte popular,
expressando uma sintonia entre o individual e o coletivo, dentro e fora dos gramados. Para
exemplificar o exposto acima, vejamos: "eu sou colorado" ou "eu sou gremista".

Eu = individualidade
Sou = identidade
Time = coletividade
Na Copa do Mundo, a maior comprovação sociológica, é que o brasileiro é capaz, independente
da camada social, de organizar-se nas ruas e espaços comunitários para numa ação conjunta
mostrar toda a sua cidadania.

Como modalidade desportiva mais popular do mundo, o futebol cria espaços públicos
permissíveis a experiências comunitárias sensacionais. A cultura da massa brasileira comprova
que nenhuma outra manifestação tem paralelo com o futebol.

As três instituições mais presentes na vida brasileira são um templo religioso a cadeia pública e o
campinho de futebol, independente do lugar ser pequeno, médio ou grande. Às vezes falta a
cadeia ou o templo religioso, porém o campo de futebol está sempre presente, sendo o espaço
público mais perene da vida brasileira.

Encerrando este capítulo entre a sociologia e o futebol, não estamos encerrando o jogo, com
certeza. O futebol tem tido uma estreita relação com a música popular brasileira em sua estética
com os imortais: Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues, Lamartine Babo, Tom Jobim, Gilberto Gil,
Moraes Moreira e Chico Buarque de Holanda que declarou: "Minha primeira paixão é o futebol".

O futebol e a música popular brasileira andam juntos desde os anos 30, levando o futebol para o
campo de sua poesia e fez dele protagonista ou coadjuvante de importantes letras. Músicas de
Carnaval e marchinhas falaram de futebol, pois Carnaval e futebol além de possuírem identidade
histórica, são manifestações populares das mais sérias que este país possui.

E assim podemos ainda citar o futebol na Literatura Brasileira, no cinema brasileiro, o olhar
feminino no futebol, mitos do futebol brasileiro e nosso poeta maior, Carlos Drummond de
Andrade sentenciou: "Como ficou chato ser moderno, eu agora quero ser mesmo é eterno".

Este texto é de:
Jober Teixeira Júnior é professor e titular das cadeiras de Futebol e Futsal da Facos (RS)
Comentarista da Guaiba
Coordenador da Ulbra.

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