segunda-feira, 19 de março de 2012

STF pra quê?


No dia 3 de março último, o Superior Tribunal Federal votou a favor da lei do piso nacional dos professores. A instância máxima da justiça do nosso país se pronunciou.
Mas até agora, vários governadores, entre eles o nosso, Tarso Genro, não cumpriram a lei. Não implementaram o pagamento do dito piso.
Nosso governador descumpre a lei e tudo permanece como está. Mais uma vez a legalidade, a democracia, a justiça e, principalmente, o cidadão, foram derrotados.
Vivemos 20 anos de ditadura. Lutamos e a derrubamos. Mas hoje, o dito Estado Democrático de Direito não passa de uma fantasia, onde as lei se aplicam apenas ao povo. Os governantes agem como querem. Como podemos dormir tranquilos se o próprio órgão máximo de justiça, o STF, não tem validade nenhuma? Que garantias pode ter o trabalhador? Até agora não se viu falar em penalidade aos Estados que não estão cumprindo a lei. Uma temeridade, uma distorção dos princípios democráticos.
Um aspecto terrível disto tudo é o fato de que o nosso governador, senhor Tarso Genro, é um advogado, um profissional das leis. E o pior e mais atemorizante é de que este ocupou o cargo de Ministro da Justiça. Como comandava sua pasta? Com o mesmo descaso pela lei que demonstra agora como governador? Isso é a prova de que vivemos uma democracia de faz-de-conta. O ex-Ministro da Justiça pisoteia a Constituição e ignora o Supremo Tribunal Federal como se este fosse apenas um simples adorno do poder público.
Trágico também é o fato inegável de que senhor Tarso Genro era Ministro da Educação e foi signatário desta lei do piso. Na sexta-feira, dia 16 de março, os professores esperavam mais de um governo comandado pelo ex-Ministro da Educação, mas este, através do secretário da educação, José Clóvis, humilhou os trabalhadores de educação ao simplesmente negar a proposta de seu sindicato e impor o seu projeto a votação na Assembléia. Os educadores gaúchos sofrem não só com o 2º pior salário do Brasil, mas principalmente por serem tratados com tamanho desprezo.
Historicamente, este é um Estado de valores simbólicos muito fortes. Aprendi desde criança, com meu avô, que o bigode é um símbolo da palavra empenhada, um símbolo de honestidade. O fio do bigode vale muito neste Estado.
O que vemos hoje é a falta de compromisso e de lealdade – para com a lei, com os valores gaúchos, com os educadores, com os cidadãos em geral. Neste caso o bigode do governador é tão falso quanto a premissa de que o STF é a instância máxima da justiça neste país.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Anjo Exterminador


As cidades latino-americanas não querem parecer-se com Amsterdam ou Florença, mas com Los Angeles, e estão conseguindo converter-se na horrorosa caricatura daquela vertigem

Por Eduardo Galeano
Em 1992 houve um plebiscito em Amsterdam. Os habitantes da cidade holandesa resolveram reduzir à metade o espaço, já muito limitado, que ocupam os automóveis. Três anos depois, proibiu-se o trânsito de carros privados em todo o centro da cidade italiana de Florença, proibição que se estenderá à cidade inteira à medida em que se multipliquem os bondes, as linhas de metrô, as vias para pedestres e os ônibus. Também as ciclovias: será possível atravessar toda a cidade sem riscos, por qualquer parte, pedalando em um meio de transporte que custa pouco, não gasta nada, não invade o espaço humano nem envenena o ar e que foi inventado, há cinco séculos, por um vizinho de Florença chamado Leonardo da Vinci.
Enquanto isso, um informe oficial confirmava que os automóveis ocupam um espaço bem maior que as pessoas, na cidade norte-americana de Los Angeles, mas ali ninguém pensou em cometer o sacrilégio de expulsar os invasores.
A quem pertencem as cidades?
Amsterdam e Florença são exceções à regra universal da usurpação. O mundo motorizou-se aceleradamente, à medida que iam crescendo as cidades e as distâncias, e os meios públicos de transporte recuaram diante do automóvel privado. O ex-presidente francês George Pompidou comemorava, dizendo que “é a cidade que deve adaptar-se aos automóveis, não o contrário”, mas suas palavras assumiram sentido trágico quando se revelou que haviam aumentado brutalmente as mortes por contaminação na cidade de Paris, na greve geral do finzinho de 1995: a paralisação do metrô havia multiplicado as viagens de automóvel e esgotado as máscaras anti-smog.
Na Alemanha, em 1950, os trens, ônibus e bondes realizavam três quartos do transporte de pessoas; hoje, representam menos de um quinto das viagens. A média europeia caiu a 25%, o que já é muito comparado com os Estados Unidos, onde o transporte público, virtualmente exterminado na maioria das cidades, só chega a 4% do total.
O ruído dos motores não deixa ouvir as vozes que denunciam o artifício de uma civilização que te rouba a liberdade para depois vendê-la e que te corta as pernas para obrigar-te a comprar automóveis e aparelhos de ginástica. Impõe-se no mundo, como único modelo possível de vida, o pesadelo de cidades onde os carros mandam, devoram as áreas verdes e apoderam-se do espaço humano. Respiramos o pouco ar que eles nos deixam; e quem não morre atropelado, sofre gastrite pelos engarrafamentos.
Henry Ford e Harvey Firestone eram amigos íntimos, e ambos davam-se muito bem com a família Rockefeller. Este carinho recíproco desembocou numa aliança de influências que muito teve a ver com o desmantelamento das ferrovias e a criação de uma vasta teia de auto-estradas, em todo o território norte-americano. Com o passar dos anos, tornou-se cada vez mais avassalador, nos Estados Unidos e no mundo todo, o poder dos fabricantes de automóveis e empresas de petróleo. Das 60 maiores companhias do mundo, a metade pertence a esta santa aliança, ou está de alguma maneira ligada à ditadura das quatro rodas.
Dados para um prontuário
Os direitos humanos terminam ao pé dos direitos das máquinas. Os automóveis emitem impunemente um coquetel de muitas substâncias assassinas. A intoxicação do ar é espetacularmente visível nas cidades latino-americanas, mas muito menos intensa em algumas cidades do norte do mundo. A diferença se explica, em grande medida, pelo uso obrigatório dos conversores catalíticos e de gasolina sem chumbo, que reduziram a contaminação mais notória de cada veículo, nos países de mais desenvolvimento. No entanto, a quantidade tende a anular a qualidade, e estes progressos tecnológicos vão reduzindo seu impacto positivo diante da proliferação vertiginosa do parque automotor, que se reproduz como se fosse formado por coelhos
Visíveis ou dissimuladas, reduzidas ou não, as emissões venenosas têm uma longa folha corrida de crimes. Para apontar apenas três exemplos, os técnicos do Greenpeace denunciaram que provém dos automóveis não menos da metade do total de monóxido de carbono, de óxido de nitrogênio e de hidrocarbonetos que tão eficazmente contribuem com a demolição do planeta e da saúde humana.
“A saúde não é negociável. Basta de meias medidas”, declarou o responsável por transportes em Florença, no início deste ano, enquanto anunciava que esta será “a primeira cidade europeia livre de automóveis”. Mas em quase todo o resto do mundo parte-se da base de que é inevitável que o divino motor seja o eixo da vida humana, na era urbana.
Copiamos o pior
Copiamos o pior. As cidades latino-americanas não querem parecer-se com Amsterdam ou Florença, mas com Los Angeles, e estão conseguindo converter-se na horrorosa caricatura daquela vertigem. Estamos treinando há cinco séculos como copiar, em vez de criar. Já que estamos condenados à copiadite, poderíamos escolher nossos modelos com um pouco mais de cuidado. Anestesiados como estamos pela televisão, a publicidade e a cultura do consumo, acreditamos no conto da chamada modernização, como se este chiste de mal gosto e humor sórdido fosse o abracadabra da felicidade.

Castells, sobre Internet e Rebelião: “É só o começo”


Os meios de comunicação passaram semanas centrando sua atenção na Tunísia no Egito. As insurreições populares que se desenvolveram após o sacrifício do jovem tunisiano Mohamed Bouazizi, terminaram em poucos dias com a ditadura de Bem Ali e na sequência, como peças enfileiradas de dominó, com a “presidência” de Hosni Mubarack. Abriram-se processos democráticos em ambos os países. Manifestantes também saem às ruas árabes na Líbia, Iêmen, Argélia, Jordânia, Bahrain e Omã.
Em todos esse processos, as novas tecnologias jogam um papel chave primordial — em especial, as redes sociais, que permitem superar a censura. Ante esse desfecho histórico, Manuel Castells, catedrático sociólogo e diretor do Instituto Interdisciplinar sobre Internet, na Universitat Oberta de Catalunya, aprofunda a reflexão sob o que se passa e oferece chaves para entender um movimento cidadão que tira o máximo proveito dos novos canais de comunicação ao seu alcance.
Os movimentos sociais espontâneos na Tunísia e Egito pegaram desprevenidos os analistas políticos. Como sociólogo e estudioso da Comunicação, você foi surpreendido pela ação da sociedade-rede destes países, em sua mobilização?
Na verdade não. No meu livro Comunicação e Poder, dediquei muitas paginas para explicar, a partir de uma base empírica, como a transformação das tecnologias de comunicação cria novas possibilidades para a auto-organização e a auto-mobilização da sociedade, superando as barreras da censura e repressão impostas pelo Estado. Claro que não depende apenas da tecnologia. A internet é uma condição necessária, mas não suficiente.
As raízes da rebelião estão na exploração, opressão e humilhação. Entretanto, a possibilidade de rebelar-se sem ser esmagado de imediato dependeu da densidade e rapidez da mobilização e isto relaciona se com a capacidade criada pelas tecnologias do que chamei de “auto-comunicação de massas”.
Poderíamos considerar estas insurreições populares um novo ponto de inflexão na história e evolução da internet? Ou teríamos que analisá-las como conseqüência lógica, ainda de grande envergadura, da implantação da rede no mundo?
As insurreições populares no mundo árabe são um ponto de inflexão na história social e política da humanidade. E talvez a mais importante das muitas transformações que a internet induziu e facilitou, em todos os âmbitos da vida, sociedade, economia e cultura. Estamos apenas começando, porque o movimento se acelera, embora a internet seja uma tecnologia antiga, implantada pela primeira vez em 1969.
A juventude egípcia desempenhou um papel chave nas insurreições populares, graças ao uso das novas tecnologias. No entanto, segundo os cálculos de Issandr El Amrani, analista político independente no Cairo, apenas uma pequena parte da população egípcia dispõem de acesso a internet. Pensa que esta situação pode criar uma brecha – usando suas próprias palavras, entre “conectados” e “desconectados” – ainda maior que a que se da nos países desenvolvidos?
O dado já esta antiquado. De acordo com uma pesquisa recente (2010), da empresa informação Ovum, cerca de 40% dos egípcios maiores de 16 anos estão conectados à internet — se levarmos em conta não apenas as ligações domiciliares, mas também os cibercafés e os centros de estudo. Entre os jovens urbanos, as taxas chegam a 70%.
Além disso, segundo dados recentes, 80% da população adulta urbana esta conectada por celulares. E de qualquer maneira, estamos falando de um país com 80 milhões de habitantes. Ainda que apenas um quarto deles estivessem conectados, já poderia haver milhões de pessoas nas ruas. Nem todo o Egito se manifestou, mas uma número de cidadãos suficiente para que se sentissem unidos, e pudessem derrotar o ditador.
A história da brecha digital em termos de acesso é velha, falsa hoje em dia e rabugenta. Parte de uma predisposição ideológica de certos intelectuais interessados em minimizar a importância da internet. Há 2 bilhões de internautas no planeta, bilhões de usuários de celulares. Os pobres também têm telefones móveis e existem ainda outras formas de acessar a internet. A verdadeira diferença se dá na banda e na qualidade de conexão, não no acesso em si, que está se difundindo com rapidez maior que qualquer outra tecnologia na história.
Até que ponto o poder dispõe de ferramentas necessárias para sufocar as insurreições promovidas desde a rede?
Não as tem. No Egito, inclusive, tentaram desconectar toda a rede e não conseguiram. Houve mil formas, incluindo conexões fixas de telefone a numero no exterior, que transformavam automaticamente as mensagens em twetts e fax no país. E o custo econômico e funcional da desconexão da internet é tão alta que tiveram que restaurá-la rapidamente.
Hoje em dia, um apagão da rede é como um elétrico. Bem Ali não caii tão rápido, houve um mês de manifestações e massacres. O Irã não pode se desconectar a rede: os manifestantes estiveram sempre comunicando-se e expondo suas ações em vídeos no Youtube. A diferença é que ali, politicamente, o regime teve força para reprimir selvagemente sem que interviesse o exército. Porém as sementes da rebelião estão plantadas e os jovens iranianos, 70% da população, estão agora maciçamente contra o regime. É questão de tempo.
A mobilização popular através dos meios digitais criou heróis da cibernéticos no Egito — como Weal Ghonim, o jovem executivo do Google. Que papel podem desempenhar esses novos lideres no futuro de seus países?
O importante das “wikirrevoluções” (as que se auto-geram e se auto-organizam) é que as lideranças não contam, são puros símbolos.
Símbolos que não mandam nada, pois ninguém os obedeceria, eles tampouco tentariam impor-se. Pode ser que, uma vez institucionalizada, a revolução coopte se algumas destas pessoas como símbolos de mudanças — ainda que eu duvide muito que Ghonim queira ser político. Cohn Bendit era também um símbolo, não um líder. Foi estudante e amigo meu em 68, ele era um autêntico anarquista: Rechaçava as decisões dos líderes e utilizava seu carisma (foi o primeiro a ser reprimido) para ajudar a mobilização espontânea.
Walesa foi diferente, um vaticanista do aparato sindical. Por isso, tornou-se político rapidamente. Cohn Bendit tardou muito mais e ainda assim é, fundamentalmente um verde, que mantém valores de respeito às origens dos movimentos sociais.
A aliança entre meios de comunicação convencional e novas tecnologias é o caminho a seguir no futuro, para enfrentar com êxito os grandes desafios?
Os grande meios de comunicação não têm escolha. Ou aliam-se com a internet e com o jornalismo cidadão, ou irão se marginalizando e tornando-se economicamente insustentáveis. Mas hoje, essa aliança ainda é decisiva para a mudança social. SemAl Jazeera não teria havido revolução na Tunísia.
Em um artigo intitulado “Comunicação e Revolução”, você recordou que em 5 de fevereiro a China havia proibido a palavra Egito na Internet. Acredita que existem condições para que possa ocorrer, no gigante asiático, um movimento popular parecido com o que esta percorrendo o mundo árabe?
Não, porque 72% do chineses apoiam seu governo. A classe média urbana, sobretudo os jovens, estão muito ocupados enriquecendo-se. Os verdadeiros problemas do campesinato e operários — ou seja, os verdadeiros problemas sociais da China — encontram se muito longe. O governo resguarda-se demais, porque a censura antagoniza muita gente que não está realmente contra o regime. Na China, a democracia não é, hoje, um problema para a maioria das pessoas, diferente do que ocorria na Tunísia e no Egito.
Esse novo tipo de comunicação, globalizada, atomizada e que se nutre se da colaboração de milhões de usuários, pode chegar a transformar nossa maneira de entender a comunicação interpessoal? Ou é apenas uma ferramenta potente a mais, à nossa disposição?
Já tranformou. Ninguém que esta inserido diariamente nas rede sociais (este é o caso de 700 dos 1,2 milhões de usuários) segue sendo a mesma pessoa. Mas não é um mundo exotérico: há uma inter-relação online/off-line.
Como esta comunicação mudou, e muda a cada dia, é uma questão que se deve responder por meio de investigação acadêmica, não através de especialistas em fofocas. E por isso empreendemos o Projeto Internet Catalunha na UOC.
Podemos dizer que os ciber-ataques serão a guerra do futuro?
Na realidade, esta guerra já faz parte do presente. Os Estados Unidos consideram prioritária a ciberguerra. Destinaram a este tama um orçamento dez vezes maior que todos os demais países juntos. Na Espanha, as Forças Armadas também estão se equipando rapidamente na mesma direção. A internet é o espaço do poder e da felicidade, da paz e da guerra.
É o espaço social do nosso mundo, um lugar hibrido, construído na interface entre a experiência direta e a mediada pela comunicação, e sobretudo, pela comunicação na internet.
http://www.outraspalavras.net/2011/03/01/castells-sobre-internet-e-insurreicao-e-so-o-comeco/