terça-feira, 14 de setembro de 2010

Rock Elvis Roll


Textos retirados da revista Bizz Edição Especial Elvis 75 Anos.

Elvis inaugurou a era do rock and roll, emplacou sucessos um atrás do outro e ajudou a moldar um novo comportamento para a juventude: mais livre, rebelde, anárquico. Das roupas que usava em seus shows, do rebolado que enlouquecia as adolescentes, das canções que misturavam amor e sexo, Elvis é puro rock and roll. Criança pobre, filho de mãe superprotetora, tímido ao extremo fora dos palcos, levou adiante seu sonho de cantar ao longo de uma vida cheia de contradições. Quando morreu, em 1977, com apenas 42 anos, deixou o mundo dos vivos para transformar-se num dos mitos do século 20.
Sua obra influenciou quase tudo o que apareceu depois. A começar pelos Beatles e pelos Rolling Stones. Não por acaso, uma das grandes bandas do punk rock, The Clash, copiou a capa de seu primeiro disco no hoje antológico London Calling. Um dos maiores vendedores de discos de todos os tempos (curiosamente ao lado de seu genro Michael Jackson), Elvis está vivo, sim. No coração dos fãs que não param de crescer, no estilo que legou à juventude, nas canções que são eternas.
LEGADO
Ele zerava o que viera antes e apontava o caminho para o que viria depois. Elvis foi o marco zero, a pedra fundamental. Sem Elvis, não existiria Mick Jagger. Sem Elvis, os Beatles talvez não tivessem sacudido as cabeleiras. Sem Elvis, Raul Seixas não teria cantado Let Me Sing, Let Me Sing com tanta verve no Festival Internacional da Canção em 1972, vestido como um rebelde sem causa. O rock não teria tanta potência sem Elvis, nem Madonna seria tão performática. Nem o Clash teria sido uma banda tão importante e crucial. Pensando bem, nem mesmo teria existido o punk, tão anti-Elvis e ao mesmo tempo tão selvagem quanto suas apresentações pioneiras.
Elvis fez a liga entre a música e a performance num tempo em que a juventude começava a dar as cartas, a comandar as aspirações do mundo. Não que ele não seja mais tão popular quanto foi no começo da carreira e imediatamente depois da morte. Mas tudo o que conhecemos hoje como parte do imaginário rock’n’roll deve um dízimo ao seu rei.
Ao funcionar como elo entre a cultura negra e a música caipira dos Estados Unidos, Elvis criou um novo paradigma cultural e social e enfrentou preconceitos por isso. Ele atravessou as fronteiras da arte e criou uma música livre, selvagem, descabelada, incontrolável, que ele mesmo trataria de parodiar no final dos anos 60, quando renasce em Las Vegas, depois de uma longa hibernação de sete anos. Por isso os fãs mais empedernidos tratar de dividir a trajetória do artista em três fases distintas, cada uma com revoluções e passos para trás embutidos.
Na primeira fase ele está no ápice. Descoberto na Sun Record, é o branco de feeling negro que Sam Phillips procurava. Elvis está ligado ao útero do rock: uma das fotos mais famosas da pré-história do ritmo mostra uma jam session dos sonhos, reunindo Jerry Lee Lewis, Carl Perkins e Johnny Cash ao redor do piano em que reina um Elvis majestoso, mas solidário. É a mais pura representação do que veio e do que viria a seguir, antes e depois de Elvis.
Na fase intermediária, Elvis vai para o Exército e meio que desaparece na obscuridade nos quartéis das bases americanas na Alemanha. O Elvis que retorna não é mais o mesmo, só quer saber de cinema. Seu grande ídolo (depois de Dean Martin) é exatamente James Dean.
Na terceira fase, marcada pela saída do Exército, Elvis é engolfado pelas forças que ajudou a disseminar. Outros ídolos aparecem para ocupar o trono vago. Os Beatles, que fazem uma visita histórica a Elvis na Califórnia, são os que provocam, agora, as grandes ondas de reação histérica do público. O próprio rock acabaria ganhando uma sofisticação poética que ninguém imaginaria, com as letras e atitude adulta de Bob Dylan. Passou quase uma década fora dos palcos. Ao retornar, em 1968, Elvis brinca com a própria carreira na introdução de seus shows. Conta histórias. Cita o nome de Dylan. Começa a criar o mito que as gerações futuras, aquelas que não o conheceram vivo, irão interpretar de um ponto de vista sempre irônico.
O Elvis de Las Vegas, porém, está a anos-luz do jovem-deus que uniu as pontas separadas do rock, um gênero até então meio híbrido, tateante, destituído daquilo que seria a sua performance mais incendiária. Basta procurar na internet: ninguém cantava ou sacudia o corpo como Elvis. Ninguém mais fez isso. E se a música hoje vive a transição dos suportes, migrando dos CDs para a rede e deixando o artista a mercê do próprio talento, daquilo que eles podem oferecer de melhor nos shows, em carne e osso, Elvis será sempre um modelo a seguir. Infelizmente, porém, ninguém é capaz de cantar como ele. E nenhum artista contemporâneo possui o carisma do homem. Mesmo em seus tempos depressivos de Las Vegas.
COMPORTAMENTO
Uma rebeldia natural, que pela primeira vez colocava o jovem no mapa da História, estava em curso. E o rock providenciava a trilha sonora.
Filho bastardo da música caipira com os ritmos negros, o rock não tinha propriamente um corpo – até o aparecimento de Elvis Aaron Presley. Elvis encarnou, de forma definitiva, o que até então era um monstrengo, uma fantasmagoria com cabeça de Carl Perkins, braços de Jerry Lee Lewis e o tronco de Chuck Berry. Elvis entrou com o corpo inteiro no rock, providenciando, inclusive, o sexo.
O sexo era o principal combustível de toda aquela explosão inaugural. As classes dominantes que haviam sobrado da guerra eram pudicas e preconceituosas. O Velho Mundo (e principalmente o Novo, representado pelos Estados Unidos) rastejava sobre os próprios preconceitos: as mulheres eram só donas de casa, as moças eram feitas para casar, sexo era uma palavra que só podia ser usada no casamento, para fins de procriação. Ser jovem era ser nada. Sexo era o demônio. Se você fosse um adolescente cheio de espinhas, vagando pelas grandes e pequenas cidades arruinadas do mundo, sem nada para fazer, no que você pensaria? Sexo. E Elvis, assim como Marlon Brando e James Dean antes dele, representava sexo e rebeldia.
Aos 18 anos Elvis entrou no estúdio de Sam Phillips, em Memphis, Tennessee, para gravar a primeira música. Um presente para a mãe. Voltou oito meses depois, para colocar a voz numa canção que Phillips havia ouvido na interpretação de um jovem negro que não foi encontrado para refazê-la. Os primeiros takes de Elvis foram um fiasco. As repetições idem. Phillips mudou de música -  e não adiantou. Ele então pediu a Elvis que cantasse o que sabia. E Elvis desfilou um longo repertório de canções variadas, que iam do gospel ao blues, passando pelo country. Phillips encontrara alguma coisa ali (“Diabos, isso é diferente”, ele disse durante a gravação). Esta coisa seria, um pouco mais adiante, a corporificação do zeitgeist adolescente -  o espírito juvenil da época. Elvis daria corpo ao rock porque, para começo de conversa, era a personificação do sonho de Phillips, segredado a uma amiga: “Se eu encontrasse um branco com feeling de negro, eu faria 1 bilhão de dólares”. O ano era 1954. Em 1956, Elvis já havia vendido milhões de discos.
Elvis não era compositor, e sim intérprete. Alguns estudiosos dizem que um intérprete tão intenso não poderia nem deveria ter tempo livre para compor. O apelo de Elvis era total: um branco bonito, de costeletas caipiras, com voz de negro. Num tempo de segregação racial asfixiante, Elvis fez a ponte entre dois mundos que pouco se comunicavam – um deles entrava pela cozinha nos restaurantes, viajava nos fundos dos ônibus, não frequentava as mesmas universidades. A rebeldia juvenil encarnada em Elvis também passava por esse crivo político: se o artista que admiramos bebeu na fonte negra, apareceu em fotos abraçado a artistas negros (como Elvis fez com B. B. King), alguma coisa está errada no mundo que herdamos de nossos pais.
Vale a pena ouvir a voz de um adolescente da época, não por acaso o futuro baterista dos Heartbreakers e dos New York Dolls, Jerry Nolan, que foi ver um show de Elvis antes do alistamento, quando ainda se fazia acompanhar pelo trio fundamental formado por Bill Black, Scotty Moore e D. J. Fontana. Nolan estava na terceira fila, ao pé do artista. “Dava quase para tocá-lo” (este depoimento está no magnífico Mate-me por Favor, de Legs McNeil e Gillian McCain, uma espécie de história oral do movimento punk americano, editado no Brasil pela L&PM). “Elvis estava usando uma jaqueta branca”, começa Nolan. “Calças pretas largas com uma prega – branca por dentro, com um bordadinho branco. Estava com sapatos bicolores, brancos em cima e pretos dos lados, sapatos de rock’n’roll”. Depois dos detalhes, a constatação: “Fiquei completamente excitado. Todo mundo ficou excitado. Eu nunca tinha visto alguém fazer um show como aquele. Eu estava quase sem graça”. Outra coisa importante chamava a atenção de Nolan no show: a reação da irmã que o acompanhava. A menina gritava e pulava. “Numa hora”, prossegue o baterista, “Elvis se jogou de costas, meio que fazendo uma abertura de pernas, com uma perna apontada direto pra mim. Pude ver que o sapato dele estava gasto”. Nolan tem pena, imaginando que Elvis fosse pobre. Mas fica feliz, pensando que se parecia com um verdadeiro garoto de rua, semelhante a ele próprio e aos outros que estavam na plateia. “Este show, embora eu tivesse 10 anos de idade, realmente mudou minha vida. Fui dominado por Elvis. Mas acima de tudo lembro-me de duas coisas daquele show: minha irmã perdendo completamente o controle e o buraco no sapato de Elvis”.
O descontrole adolescente não largou os pés do Elvis dos primeiros tempos. Antes dele, só Frank Sinatra provocava histeria – mas nem tanta. No caso de Elvis, o fenômeno era um tipo de confrontação de gerações. Significava que a juventude estava quase no poder, invadindo o rádio e a televisão; significava que uma ponte entre as raças era possível; e significava que o sexo tinha descido às ruas – ou seja, tudo que as gerações anteriores, que habitavam o mundo sério, queriam evitar.
As famosas aparições de Elvis no programa de Ed Sullivan, entre 1956 e 1957, revelam o quanto de sexualidade reprimida estava projetada na figura do cantor. Elvis não era novidade na TV. Havia participado com enorme sucesso de três outros programas de Nova York: Stage Show, The Milton Berle Show, The Steve Allen Show. O programa de Steve Allen tivera uma audiência duas vezes superior à de Ed Sullivan, que se negara a apresentar o cantor por conta dos giros de quadril e das pernas eletrizadas que acompanhavam suas performances estupefacientes. Diante dos números do concorrente, Sullivan viu-se obrigado, em apenas uma semana, mudar de opinião, fechando um contrato de 50 mil dólares por três apresentações do cantor (9 de setembro e 28 de outubro de 1956 e 6 de janeiro de 1957). Elvis estava no auge da fama.
No primeiro show, Sullivan, que se recuperava de um acidente de automóvel, foi substituído pelo ator Charles Laughton (O Corcunda de Notre Dame). Laughton estava em Nova York, mas havia gravado a apresentação de Elvis em Hollywood, onde o cator estava filmando Ama-me com Ternura (Love me Tender). Não houve aí – como reza a lenda – o famoso enquadramento único da cintura para cima, estratagema inventado por Sullivan para evitar que os rebolados de Elvis fossem transmitidos a milhões de lares nos Estados Unidos (calculou-se uma audiência de cerca de 82% dos aparelhos ligados). A bem da verdade, há um mito envolvido na história: em boa parte dos três programas, Elvis aparece de corpo inteiro, acompanhado pela banda. Mas o que ficou para a história é a patética imagem do cantor, enquadrado da cintura para cima, levando as fãs à histeria com movimentos invisíveis dos quadris. Nasce aí o apelido Pelvis. Elvis era um escândalo, mesmo com os quadris fora do quadro. Tudo em sua imagem era associado ao sexo.
E era puro sexo mesmo. O que chama a atenção nessas apresentações que podem ser vistas no Youtube é a presença de cena, a voz, o carisma do ídolo; sua irresistível confiança; a alegria quente que parece extravasar por todos os poros – tudo isso com as feições de um garoto bem tratado e travesso, de topete indomável.
A força motriz de Elvis era o seu corpo. Curioso é que essa fúria avassaladora tenha vindo de um garoto tímido, pobre, nascido no interior, filho perfeito da mamãe, para quem dedicava a carreira. O certo é que, trinta e dois anos depois da morte, o mistério das imponentes performances do cantor permanece. Elvis foi o corpo explosivo e sexualizado do que hoje chamamos rock’n’roll. O ritmo que colocou a juventude na História.




2 comentários:

  1. cleber discordo de algumas opiniões suas a respeito do Elvis me permita: pra alguns elvis era rock n´roll, porém acredito que elvis era um artista não limitado a um gênero, sua voz e carisma mostraram que sua música e estilo não se prenderiam a um gênero como chuck berry, litle richard, esses sim rockeiros, elvis era muito mais, a fase que o sr. diz ser dacadente, é justamente a que mostra o amadurecimento vocal e de carisma do rei,não é a toa a mais imitada do artista mais imitado do mundo, elvis era um cantor magnífico, barítono, com alcançe até hoje não conseguido por qualquer artista popular, portanto muito mais que rock elvis era o maior artista que já existiu.

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  2. "Textos retirados da revista Bizz Edição Especial Elvis 75 Anos."
    Tá no início do texto. É só prestar atenção antes de sair disparando. Eu sou um grande fã de Elvis e também concordo que sua melhor fase são os anos 70. Portanto, vamos ser mais educados, falou?

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