segunda-feira, 24 de maio de 2010

O Sequestro Siciliano*
Durante séculos, o sequestro de pessoas ricas fora uma das indústrias mais prósperas da Sicília. Geralmente os seqüestradores eram os mais temidos mafiosos, que enviavam uma carta antes que o seqüestro fosse executado. Era uma forma polida de resolver as coisas, evitando os detalhes mais incômodos; cobrava-se o resgate antes que o seqüestro ocorresse. Como um desconto de atacadista por pagamento à vista, o resgate seria consideravelmente menor, porque todos os detalhes irritantes, como o seqüestro propriamente dito, não precisariam ser consumados. Pois, diga-se a bem da verdade, seqüestrar uma pessoa famosa não é tão fácil como se imagina. Não era um negócio para amadores gananciosos ou desmiolados preguiçosos e imprestáveis, que se recusavam a trabalhar para viver. Não era o evento temerário e suicida que ocorria na América, onde os profissionais do ramo tinham uma péssima reputação. A própria palavra usada para seqüestro na América, “kidnapping”, significando levar uma criança, não tinha correspondente na Sicília, pois nunca se pegava uma criança para resgate, a menos que estivesse acompanhada por um adulto. Podia-se dizer o que quisesse dos sicilianos: que eram criminosos natos, que eram tão astuciosos e traiçoeiros como os turcos, que estavam socialmente atrasados em 300 anos. Mas ninguém poderia contestar o fato de que os sicilianos adoravam as crianças; mais do que isso, as idolatravam-nas. Assim, não havia na Sicília o típico seqüestro americano. Eles “convidavam” uma pessoa rica para ser seu hóspede, não a soltando até que pagasse pela casa e comida, como se estivessem num hotel de luxo.
Essa indústria desenvolvera determinadas regras ao longo de centenas de anos. O preço era sempre negociado através de intermediários, como a Máfia. Nunca havia qualquer ameaça de violência ao “hóspede”, se ele cooperasse. O “hóspede” era tratado com o maior respeito, sempre endereçado por seu título, como Príncipe, Duque, Don ou até mesmo Arcebispo, se algum bandido resolvesse por em risco a sua alma pela captura de um membro do clero. Até mesmo um parlamentar era tratado de Ilustre, embora todos soubessem que aqueles patifes eram os maiores ladrões.
Assim se agia por prudência. A história demonstrava que era uma política que produzia bons resultados. Depois de solto, o prisioneiro não sentia qualquer desejo de vingança, desde que a sua dignidade tivesse sido preservada. Havia o caso clássico de um duque importante, que fora solto e conduzira os carabinieri ao lugar em que sabia que os bandidos estariam escondidos, pagando depois os advogados para defendê-los. Quando eles foram condenados, apesar de todos os esforços, o duque intercedera para que suas longas penas de prisão fossem reduzidas à metade. Tudo isso aconteceu porque os bandidos haviam-no tratado com tanto tato e polidez que o duque chegou a declarar que jamais encontrara maneiras tão elevadas, nem mesmo na mais alta sociedade de Palermo.
Ao contrário, um prisioneiro mal-tratado sempre gastava uma fortuna, depois de solto, para que seus seqüestradores fossem perseguidos, às vezes oferecendo uma recompensa maior do que o resgate pago.
Mas, no curso normal das coisas, se as duas partes se comportassem de um modo civilizado, o preço era rapidamente acertado e pago, o prisioneiro solto. Os ricos da Sicília haviam passado a encarar essa atividade como uma espécie de imposto extra-oficial para viverem na terra que amavam. Como pagavam tão poucos impostos ao governo oficial, eles carregavam essa cruz com resignação cristã.
A recusa obstinada ou negociações prolongadas eram remediadas por uma branda coação. Talvez então houvesse uma orelha cortada, um dedo amputado. De um modo geral, isso era suficiente para que todos recuperassem o bom senso. A não ser nos casos extremamente raros e lamentáveis em que o corpo tinha de ser entregue, ritualmente mutilado e crivado de balas. Ou então, como nos velhos tempos, apunhalado numerosas vezes, no padrão de uma cruz.
Mas “Convidar um Hóspede” era sempre um empreendimento meticuloso. A vítima tinha de ser observada por algum tempo, a fim de que se pudesse levá-la com um mínimo de violência. Mesmo antes disso, cinco ou seis esconderijos precisavam ser preparados e abastecidos de suprimentos e guardas, pois se presumia que as negociações poderiam ser demoradas, enquanto a polícia procurava pela vítima. Era, em suma, um negócio complicado, não para amadores.
* texto retirado do livro O Siciliano, de Mário Puzo.

Download do texto: http://www.mediafire.com/?jmd2zhwvyr3

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