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"Complexo de vira-lata" é uma expressão criada pelo
dramaturgo e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, a qual originalmente se
referia ao trauma sofrido pelos brasileiros em 1950, quando a Seleção
Brasileira foi derrotada pela Seleção Uruguaia de Futebol na final da Copa do
Mundo em pleno Maracanã. O Brasil só teria se recuperado do choque (ao menos no
campo futebolístico) em 1958, quando ganhou a Copa do Mundo pela primeira vez.[1]
Para Rodrigues, o fenômeno não se limitava somente ao campo
futebolístico. Segundo ele,
“por 'complexo de vira-lata'
entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em
face do resto do mundo[2]”
Ainda segundo Rodrigues,
“o brasileiro é um narciso
às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos
pretextos pessoais ou históricos para a auto-estima.[2]”
A expressão complexo de vira-lata (traduzida para "the mongrel
complex") foi recuperada em 2004 pelo jornalista estadunidense Larry
Rohter, que em matéria para o The New York Times sobre o programa nuclear
brasileiro, escreveu:
“Escrevendo nos anos 1950, o
dramaturgo Nelson Rodrigues viu seus compatriotas afligidos por um senso de
inferioridade, e cunhou a frase que os brasileiros hoje usam para descrevê-lo:
"o complexo de vira-lata". O Brasil sempre aspirou a ser levado a
sério como uma potência mundial pelos pesos-pesados, e portanto dói nos
brasileiros que líderes mundiais possam confundir seu país com a Bolivia, como
Ronald Reagan fez uma vez, ou que desconsiderem uma nação tão grande - tem 180
milhões de pessoas - como "não sendo um país sério", como Charles de
Gaulle fez.[3]”
O Brasil estaria assim, desejoso de ser reconhecido
como igual no concerto das nações, mas tropeçaria sucessivamente em sua baixa
auto-estima, reforçada pelos incidentes folclóricos acima relatados e outros do
mesmo gênero ("a capital do Brasil é Buenos Aires", "os
brasileiros falam espanhol", etc.) sucessivamente cometidos pela mídia e
autoridades estrangeiras.
Origens do complexo de inferioridade do brasileiro
A idéia de que o povo brasileiro é inferior a outros ou
"degenerado" não é nova, e data pelo menos do século XIX (quando por
aqui passou o conde francês Arthur de Gobineau, que em 1845, ao desembarcar no
Rio de Janeiro, chamou os cariocas de verdadeiros macacos[4]). No
século XX, nas décadas de 20 e 30, várias correntes de pensamento
digladiavam-se quanto a origem desta suposta inferioridade. Alguns, como Nina
Rodrigues, Oliveira Viana e até mesmo Monteiro Lobato, proclamavam que a
miscigenação era a raiz de todos os males e que a "raça branca" era
superior às demais.
Outros, como Roquette-Pinto, afirmavam que a inferioridade era um
problema de ignorância, não de miscigenação[5] (tese recuperada
recentemente por Humberto Mariotti). Manuel Bomfim também foi um notável
contestador dessa tese em seu livro A América Latina: Males de Origem.[6]
Em 1903, Monteiro Lobato revela-se profundamente pessimista com o
potencial do povo brasileiro, por ele assim definido:
“O Brasil, filho de pais
inferiores – destituídos desses caracteres fortíssimos que imprimem – um cunho
inconfundível em certos indivíduos, como acontece com o alemão, com o inglês,
cresceu tristemente – dando como resultado um tipo imprestável, incapaz de
continuar a se desenvolver sem o concurso vivificador do sangue de alguma raça
original.[7]”
Além da origem mestiça, os brasileiros sofreriam com o fato de viverem
nos trópicos, onde o clima quente e úmido predisporia os habitantes à preguiça
e à luxúria (outra tese cara na época, o determinismo geográfico, dizia que
verdadeiras civilizações só podiam se desenvolver no clima temperado).
Todavia, quando Lobato publica Urupês em 1918 (onde retrata o
"Jeca Tatu"), a elite brasileira caminhava para nomear outra causa
para o "atraso" do país. Com a divulgação de estudos de saúde pública
encomendados por Osvaldo Cruz, as más condições sanitárias vigentes no interior
do país assumem a principal responsabilidade pela "falta de vigor" e
pela "indolência" dos brasileiros. O sanitarismo entra na ordem do
dia e o próprio Lobato se engaja no esforço de converter o Brasil num
"grande hospital" (nas palavras do médico Miguel Pereira). Esse
engajamento atinge o ápice em 1924, quando Lobato publica a "história do
Jecatatuzinho", utilizada como propaganda pelo Biotônico Fontoura. Nela,
depois de curado "pela ciência", Jeca Tatu torna-se um cidadão
exemplar e empreendedor, capaz até mesmo de desbancar a produção do próspero
vizinho — um imigrante italiano.[8]
No campo científico
País conhecido por suas criações inventivas (que vão do aeróstato à
máquina de escrever, e do avião aos automóveis bicombustíveis), o Brasil jamais
teve sua produção científica reconhecida através de um prêmio Nobel (embora
alguns gostem de citar Peter Brian Medawar, apenas pela circunstância dele ter nascido
no Rio de Janeiro), enquanto outros países sul-americanos tais como Argentina e
Venezuela, já conquistaram o seu. Até mesmo um sério candidato como Carlos
Chagas em 1921, foi vítima de tamanha campanha de descrédito movida por seus
pares brasileiros que naquele ano o Nobel de Fisiologia/Medicina não foi
entregue a ninguém.[9]
O neurobiólogo Sidarta Ribeiro lembra que somente em 15 de novembro de
2007 um brasileiro, o neurocientista Miguel Nicolelis, deu uma palestra nos
seminários organizados pela Fundação Nobel. Na abertura de sua apresentação,
Nicolelis relembrou a final da Copa do Mundo de 1958, quando o Brasil venceu a
Suécia de goleada. Até então, o país sofria com o "complexo de
vira-lata" provocado pela final de 1950. Da mesma forma, e embora reconhecendo
que a produção científica brasileira sofre de "limitação de recursos e de
ambição intelectual", Ribeiro ainda assim é otimista quanto ao futuro da
pesquisa no país e conclui:
“"é difícil prever
quando um brasileiro ganhará o Nobel e que importância isso poderá ter para o
país. Se redimir nosso complexo de vira-lata científico, terá inestimável
valor".[10]”
O complexo de vira-lata por Humberto Mariotti
Na análise efetuada por Humberto Mariotti,[2] o brasileiro,
por ainda não ter atingido o estágio de knowledge worker preconizado na década
de 1950 por Peter Drucker (no qual o trabalhador domina o conhecimento e se
torna menos suscetível aos efeitos devastadores do desemprego), contenta-se com
pouco e sente-se satisfeito quando recebe alguma atenção por parte das
autoridades. Esta auto-desqualificação já teria atravessado o Atlântico e
chegado a Portugal, onde, segundo Mariotti,
“"trabalhador
brasileiro é sinônimo de garçom ou peão de construção civil. Nossa única
profissão exportável, mesmo assim não qualificada pela educação formal é, como
todos sabem, a de futebolista".”
Para Mariotti, vencer este complexo de inferioridade, reforçado pelos
sucessivos escândalos de corrupção nos quais o governo brasileiro esteve
envolvido nas últimas décadas, só poderá ser satisfatoriamente resolvido
através da educação. Todavia, contrariamente a outros, não encara a raiz do
problema num alegado deslumbramento brasileiro perante a cultura estrangeira
(francesa até as primeiras décadas do século XX e estadunidense daí em diante).
Para Mariotti, a baixa auto-estima nacional provocaria uma reação contrária, de
supervalorização da cultura nacional, que se encapsularia em si mesma, e
rejeitaria o que vem de fora:
“No Brasil, e não só aqui, o
nacionalismo cultural inclui a aversão à leitura, e sobretudo àquilo que muitos
consideram a mais execrável de todas as atividades: pensar, refletir e discutir
idéias com outros também dispostos a fazer isso.[2]”
Mariotti conclui afirmando:
“Como todo reducionismo,
esse também produz resultados obscurantistas. Essa limitação nos leva, por
exemplo, a imitar o que a cultura americana tem de pior (a massificação, a
competição predatória, o imediatismo) e a não procurar aprender e praticar o que
ela tem de melhor (a pontualidade, a objetividade, a pouca burocracia).”
Reproduções extemporâneas
Debates atuais apontam que mídias, setores educacionais e até
empresarias ao reproduzirem determinadas ações estão contribuindo pró complexo
de vira-lata. Por exemplo, palavras de efeito em treinamentos cujos autores são
todos de culturas estrangeiras por esses debates passa-se a ideologia que não
há pensadores com nomes peculiares às culturas locais. O que contribui para a
"colonização" ideológica.
Referências
1.
http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=16&id=152 A pátria em chuteiras de
Nélson Rodrigues por Fernando Bandini. Em Com Ciência - SBPC/Labjor. Visitado
em 16 de novembro de 2007.
2.
http://www.revistabsp.com.br/0608/ensaio1.htm O Complexo de Inferioridade
do Brasileiro por Humberto Mariotti. Visitado em 16 de
novembro de 2007.
3.
http://www.nytimes.com/2004/10/31/weekinreview/31roht.html?ex=1256965200&en=37262794038df2bd&ei=5088&partner=rssnyt Writing in the 1950's, the playwright Nelson Rodrigues saw his
countrymen as afflicted with a sense of inferiority, and he coined a phrase
that Brazilians now use to describe it: "the mongrel complex." Brazil
has always aspired to be taken seriously as a world power by the heavyweights,
and so it pains Brazilians that world leaders could confuse their country with
Bolivia, as Ronald Reagan once did, or dismiss a nation so large - it has 180
million people - as "not a serious country," as Charles de Gaulle
did. Rohter, Larry "If Brazil Wants to Scare the World, It's
Succeeding". The
New York Times. Visitado em 16-11-2007.
4.
http://www.bvgf.fgf.org.br/portugues/critica/artigos_imprensa/desconforto.htm O desconforto de não ser
branco por Antonio Motta em Biblioteca Virtual Gilberto Freyre. Visitado em 16
de novembro de 2007.
5.
http://www2.anhembi.br/publique/media/pensbra.doc Pensamento social brasileiro
por Lina Rodrigues de Faria em Universidade Anhembi Morumbi. Visitado em 16 de
novembro de 2007.
6.
SILVA, Sérgio Amaral. Males de Origem: Inferior por quê?. Aventuras na
História.
7.
LOBATO, Monteiro. A todo transe in "Literatura do Minarete".
São Paulo: Brasiliense, 1959.
8.
http://www.brasilcultura.com.br/conteudo.php?menu=95&id=452&sub=490 Monteiro Lobato - Jeca
Tatuzinho em Brasil Cultura. Visitado em 16 de novembro de 2007.
9.
DIAS, João Carlos Pinto.Carlos Chagas: Prêmio Nobel em 1921
10.
RIBEIRO, Sidarta. (2008) À espera das uvas suecas. Revista Mente &
Cérebro. Janeiro de 2008. Pg. 25. ISSN 1807-1562
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